Por Tatiane Correia, com apoio do Dieese
A contratação do ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, pelo Nubank mostrou para a opinião pública um movimento recorrente entre executivos de alto escalão no setor público e privado: a conhecida “porta giratória”. O termo descreve o movimento de servidores públicos e profissionais em posições de destaque entre cargos no governo e no setor privado, recorrente em segmentos em que eles mesmos regulavam ou fiscalizavam.
O fluxo pode ocorrer em dois sentidos:
- Do setor público para o privado: quando um ex-ministro, diretor de agência reguladora ou presidente de estatal assume um cargo em uma empresa privada que foi diretamente impactada por suas decisões.
- Do setor privado para o público: quando um executivo de uma grande corporação assume um cargo no governo com poder para regular o setor de onde veio.
A naturalização desse trânsito entre esferas que deveriam ser independentes é um ponto central de preocupação para especialistas em ética e governança. “As pessoas saem do setor público levando uma bagagem, inclusive detendo informações privilegiadas, e vão se recolocar em postos estratégicos do setor privado”, explica Lucy Sousa, conselheira do Corecon-SP (Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo).
Movimentações frequentes
A compreensão do fenômeno da "porta giratória" fica incompleta se olharmos apenas para o fluxo de saída do governo para o mercado. A porta, afinal, gira nos dois sentidos. Executivos do setor privado também assumem altos cargos no governo, trazendo consigo a visão e os interesses de suas antigas empresas. Um exemplo disso é o de Gabriel Galípolo, que presidiu o Banco Fator antes de assumir uma diretoria no Banco Central.
Os exemplos a seguir ilustram como o movimento de figuras públicas entre o governo e o mercado levanta essas suspeitas, destacando que tal movimentação não fica presa apenas ao setor financeiro.
Quando a lupa se volta para o mercado financeiro privado, é possível perceber quão naturalizada se tornou tal prática. Veja abaixo alguns dos executivos e ex-presidentes que passaram pelo BC e foram para o setor privado nos últimos 30 anos:
- Armínio Fraga — presidente do BC (1999–2002) → fundou a Gávea Investimentos (2003), depois vendida ao JPMorgan.
- Henrique Meirelles — presidente do BC (2003–2011) → virou chairman da J&F/ Banco Original e teve assento em conselhos privados.
- Ilan Goldfajn — presidente do BC (2016–2019) → presidiu o Conselho do Credit Suisse Brasil (2019–2021) antes de ir ao FMI/BID.
- Alexandre Schwartsman — diretor de Assuntos Internacionais (2003–2006) → economista-chefe no ABN Amro e no Santander; hoje consultor privado.
- Beny Parnes — diretor de Assuntos Internacionais (2002–2003) → executivo no Banco BBM e depois sócio da SPX Capital.
- João Manoel Pinho de Mello — diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução (2018–2021) → sócio/analista no Opportunity.
- Sérgio Werlang — diretor de Política Monetária (2000) → diretor-geral/executivo do Itaú/Itaú Unibanco; hoje sócio de gestora quantitativa.
- Bruno Serra Fernandes — diretor de Política Monetária (2019–2023) → gestor na Itaú Asset (informação pública em perfil profissional).
- Fernanda Guardado — diretora de Assuntos Internacionais (2021–2024) → chefe de pesquisa macro p/ América Latina no BNP Paribas.
Diante de casos como esses, qual é a proteção legal que existe para evitar tais conflitos de interesse?
A principal ferramenta legal para lidar com a porta giratória é a Lei nº 12.813 de 2013, que dispõe sobre o conflito de interesses no Poder Executivo federal. Seu ponto central refere-se a exigência de um período de “quarentena”, durante o qual o ex-servidor fica impedido de atuar em empresas ou prestar serviços em áreas relacionadas ao seu cargo anterior. A duração atual dessa quarentena é de 6 meses, contados a partir do desligamento do cargo e o ex-servidor continua a receber o salário do cargo que ocupava, benefício chamado de “remuneração compensatória”.
Ao falar sobre o caso de Campos Neto, a presidenta da Contraf-CUT, Juvandia Moreira, ressalta que ele produziu medidas e discursos que beneficiaram diretamente as fintechs, e essa rápida transição de ex-servidores de alto nível para o setor privado, onde podem utilizar a expertise, a rede de relacionamentos e o conhecimento dos bastidores do regulador, é vista como um problema. Por isso, é essencial o debate sobre a ampliação do período de "quarentena".
Para Lucy Sousa, existem pontos a serem melhorados na legislação, como o aumento da transparência. “Se você ler a lei, as pessoas sensíveis têm de dar informações até sobre sua agenda pública enquanto estão no cargo e depois informar, inclusive, quando estão no período de quarentena”. Diante disso, a conselheira do Corecon-SP acredita que uma alternativa para melhorar os controles seria aumentar a transparência e “aumentar o rigor sobre a escolha dos membros da comissão de ética, além de cobrar mais transparência dos procedimentos e deliberações da própria comissão de ética”.
*Esta é a quarta reportagem da série Dossiê Fintechs, uma parceria entre o Jornal GGN e a Contraf-CUT que busca analisar por dentro do Sistema Financeiro Nacional