Dossiê Fintechs: as manobras cambiais no Banco Central de Campos Neto

22/10/2025

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Dossiê Fintechs: as manobras cambiais no Banco Central de Campos Neto

A regulação do sistema financeiro existe, em teoria, para proteger a economia e a sociedade de atividades ilícitas e riscos sistêmicos. Mas o que acontece quando mudanças regulatórias parecem beneficiar justamente instituições sob investigação por crimes graves?

Duas resoluções elaboradas durante a gestão de Roberto Campos Neto no Banco Central acabaram por blindar instituições financeiras de processos criminais e do risco sistêmico.

Como as mudanças na legislação blindaram os bancos

Uma mudança na legislação cambial, solicitada pelo próprio Banco Central, teve o efeito prático de anistiar cinco bancos sob investigação da Polícia Federal: Master, Genial, Travelex, Santander e Haitong. A investigação, denominada de Operação Colossus, apurava um esquema bilionário de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

O pilar jurídico do caso da Polícia Federal se baseava no princípio da responsabilidade compartilhada entre bancos e clientes na classificação das operações de câmbio, um padrão em vigor desde 1962. Já a nova lei, regulamentada pela Resolução 277 do BC, transferiu essa responsabilidade inteiramente para o cliente. Com isso, a base legal para a acusação foi eliminada, apagando o crime pelo qual os bancos estavam sendo investigados. 

O esquema desvendado pela Operação Colossus não era uma mera infração financeira. As investigações não apenas revelaram que a rede lavava dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC), como também mantinham elos com o terrorismo internacional, como o grupo libanês Hezbollah. 

O Papel do Presidente do Banco Central

No centro dessas mudanças regulatórias estava Roberto Campos Neto. Antes de assumir o cargo no BC, ele trabalhou no Santander de 2000 a 2018, onde ocupou posições de alta diretoria. Portanto, a conexão com a Operação Colossus é direta: o Santander foi um dos cinco bancos investigados, com quebra de sigilo telemático autorizada pela Justiça por operações suspeitas realizadas a partir de 2017, período em que Campos Neto ainda era um alto executivo na instituição. 

Essa sequência de eventos apresenta um caso clássico de potencial captura regulatória, uma das consequências do chamado mecanismo de “porta giratória” que tem sido normalizado no mercado financeiro. Quando um regulador, ex-executivo de um banco sob investigação federal, supervisiona uma mudança de regra que beneficia diretamente seu antigo empregador ao anular o núcleo dessa investigação, o princípio da imparcialidade regulatória é fundamentalmente desafiado. 

Riscos escondidos

Os benefícios a bancos específicos não se limitaram à anistia cambial. Em outubro de 2023, o Banco Central editou outra norma que permitiu ao Banco Master, um dos cinco investigados na Operação Colossus, não contabilizar o risco de bilhões em ativos de alta periculosidade, como precatórios e direitos creditórios. 

O Índice de Basileia, que determina quanto capital próprio os bancos precisam manter para cobrir eventuais perdas com seus ativos, é um dos principais parâmetros de estabilidade do sistema financeiro. Com a nova norma, o BC aumentou de forma expressiva o fator de risco aplicado a precatórios, mas estabeleceu uma “data de corte”: 30 de junho de 2023. Assim, todos os ativos adquiridos antes desse marco ficaram isentos da reavaliação de risco.

Essa exceção representou um verdadeiro alívio para o Banco Master, que, nos três anos anteriores, havia expandido rapidamente sua carteira nesse tipo de ativo (de R$ 2,25 bilhões para R$ 8,73 bilhões) e já operava com um Índice de Basileia de 11,54%, muito próximo do limite mínimo exigido de 10,5%. Se a nova regra fosse aplicada aos seus ativos, o fator de risco os multiplicaria por 13,5 vezes, fazendo seu peso no balanço explodir para R$ 76 bilhões, provocando um colapso do seu índice. No entanto, a manobra permitiu que o banco evitasse uma crise de capital. 

Na ocasião, o BC afirmou que agiu para “evitar efeitos adversos nos mercados” e que o objetivo era “aprimorar o tratamento prudencial de exposições a precatórios e direitos creditórios” dos bancos.

Sob o discurso de “modernização” e “desburocratização”, uma série de mudanças regulatórias no Banco Central acabaram por blindar grandes instituições financeiras. Essas alterações técnicas na regulação tiveram impactos profundos, levantando sérias questões sobre a imparcialidade e os verdadeiros beneficiários dessas políticas. A pergunta que fica é: a quem a modernização do sistema financeiro realmente serve?


Esta é a sexta reportagem da série Dossiê Fintechs, uma parceria entre o Jornal GGN e a Contraf-CUT que busca analisar por dentro do Sistema Financeiro Nacional

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